É certo! Todos buscam uma forma de ser feliz, de se encontrar sem sofrimento, dor ou perda... Eu não paro de pensar nisso! Hoje foi o Sarau de Natal na Embaixada de Portugal e uma certa poesia não me deixa em paz! É como se me chamasse a todo momento a ver que eu posso estar morrendo nas miserabilidades impostas e não conseguisse mais respirar, só o grito desesperado de quem sabe o que é a prisão poderia entender o que às vezes passa aqui dentro!
Sim, faço muitas coisas que uma pessoa normal não faria, portanto, o que vem a ser normal? É, existem momentos em que adoro ficar sozinha, sair sozinha, só observar as pessoas e o que acontece a minha volta... sim, eu não me dou pra quem é simplesmente normal, eu não gosto dessa idéia e não aceito esse conceito, não sou como a maioria e não aceito definições! A vida não é feita de limitações e quando só nos obrigamos a fazer e não sentir, nos tornamos bonecos, fantoches da alma e vontade humana.
Gosto da poesia, do jeito que ela me conquista, da música e do jeito que ela me consola e gosto de saber que existe amor, mesmo quando duvido que ele exista... E quanto a vida, estamos aqui de passagem, basta viver e não simplesmente conceder!
E quem não achar que essa poesia é a forma mais pura e perfeita de amor, precisa urgente de um coração!
O noivado no Sepulcro
(Soares de Passos)
Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soouu;
Que paz tranqüila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
Que paz tranqüila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.
Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na mormórea cruz.
Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?
Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?
Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!
Ai qão pesada me tem sido!"e em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
"Talvez que rindo dos prostestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!
"Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...
- "Ó nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.
Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela c'roa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
"Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.
Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?
Saudosa ao longe vês no céu a lua?"
- "Ó vejo sim... recordação fatal"-
Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.
Ó vem! se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!
"E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.
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